quarta-feira, 1 de junho de 2011

Quando um nerd vai a um estádio de futebol

Pessoas arrumadas das mais variadas espécies cruzavam a noite de segunda-feira em direção ao estádio João Havelange, o Engenhão. Seria a final do campeonato brasileiro? Não. Era o show do Paul McCartney.

Há muito tempo morando por essas bandas, nunca vi gente tão bem ajeitada andando pelas ruas do subúrbio; os vagões de trem deviam até estar cheirando a perfume. E se algum dia os Beatles ofenderam os ouvidos mais conservadores, agora Paul dava show até pro tio que saía do trabalho para beber umas cervas, com o som do britânico de fundo, que para ele podia ser Michael Jackson retornando dos mortos que tanto faz tanto fez.

Mais popular não podia. E minha família não quis ficar de fora, se juntou a torcida organizada para ver se, ao menos sozinho num campo de futebol, Paul McCartney conseguiria fazer um gol. E quando eu falo família, coloca na conta pai, mãe, irmão do meio, irmão no fim da vida e suas respectivas cunhadas. Vovó só não foi por estar muito doidona depois de ter misturado remédios para raquitismo e red bull. Como era pertinho o Engenhão – da varanda do meu apartamento era visível o halo de luz emanando do estádio – decidimos ir movidos à sola de nossos sapatos. Parando apenas para comprar cocada – meu pai perderia o show mas não uma cocada – e alterando a rota para desviar das várias minas orgânicas(cocô), levamos por volta de 20 minutos, talvez menos.

Meu pai perguntando ao vendedor: "O senhor também vai pro show?"
Logo descendo a passarela que atravessava a linha de trem do Engenho de Dentro, um guia indicava por onde as pessoas deveriam seguir de acordo com a área comprada. Bem, a nossa era para os lugares mais baratos, na parte superior oeste do estádio e o guia explicou educadamente que deveríamos andar até o final da rua, virar a direita, fazer um retorno e que então encontraríamos a nossa entrada. Já para o grupo de rapazes com roupas que custavam os nossos ingressos ele apontou para um portão atrás da gente e disse:

-É logo ali. Mas esperem aqui que um carro levará vocês. Não queremos que se cansem antes do show, não é mesmo!

 Ó vida injusta! Fomos para o nosso cantinho junto com um montão de gente. Entrada tranqüila. Chegamos finalmente às arquibancadas. Era cadeiras para baixo, cadeiras para cima, pros lados, cada uma com um ser humano recém-plantado. Lá embaixo, no que antes era o campo, um monte de palitinhos andando para um lado e pro outro, e o palco, no fundo, desabitado de estrelas da música. Como por perto já não havia cadeira vaga, tivemos de escalar os degraus até o cume do Engenhão. Eu não largava do corrimão com medo de cair. Quem errasse o pé e se estabacasse iria causar a maior avalanche já vista num show. Rock and roll. A avalanche, porém, não se fez, e fincamos nossa bandeira ilesos, no último patamar. Dali, a lua ficava mais perto do que o palco, mas não era problema. Trouxemos um binóculos. Por ele vi o Paul chegar como se tivesse saído de seu cartaz, balançando a guitarra, vestindo um terninho com colete. A música: The Magical Mystery Tour. Gritos, aplausos, assobios, várias tentativas de dança por parte dos brasileiros que agem como se estivessem num churrascão de domingo não importa aonde vão.

A nossa vista.
Vieram mais músicas dos Beatles, mais músicas solo do Paul - momento quando as pessoas se aquietavam um pouco e retiravam-se para o banheiro. Às vezes eu era distraído das canções nostálgicas pela minha mãe que, balançando a mãozinha em sinal de apreciação ao show, acabava por me dar alguns tapas na cabeça. Nada que pusesse em risco a minha diversão, só a minha saúde.

E assim passaram 3 horas. Sem praticamente interrupções, parando apenas para trocar de instrumentos, ukuleles, piano, guitarra de um jeito assim, guitarra de um jeito assado; e parando também para se livrar de algumas peças de roupa. Afinal, que britânico nos trópicos resiste a afrouxar a gravata e se livrar do coletinho? O striptease recatado foi o bastante para agitar as senhoras que jamais pensaram em ver Paul McCartney tão pelado.

Terminado o show, hora de apertar a descarga do Engenhão e despejar o admirável público na rua. Na passarela da estação de trem, principal ponto de escoamento, houve até engarrafamento. Só se dava um passo quando a pessoa de frente dava outro passo. Parecia cena de refugiados de guerra, só que invés das caras tristonhas e desoladas, sorrisos e comentários sobre o show recente.

A pé voltamos para a casa; a noite ainda carregada com eletricidade, como uma televisão que acaba de ser desligada. Quanto mais nos afastávamos mais as luzes, o burburinho, a tal eletricidade se enfraquecia e nós também. Foi bom ver que a música ainda podia agitar as pessoas. Cansado, eu queria a cama, sabendo que outro show assim só no mundo dos sonhos mesmo.  

Antes do show, no acesso ao Engenhão. Os equipamentos de montanhismo estão escondidos.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Enterrado Vivo (Buried)


O que é o que é: é sádico, faz você se contrair no sofá, falar sozinho e entalar o seu coração na garganta? Sabe a resposta? Não? Pois te digo. Enterrado Vivo, o filme de Rodrigues Cortez, lançado ano passado, assistido por mim em DVD nessa quinta. Devo dizer que é impressionante. Um baita filmão de suspense. Muito mais inovador que essas besteirinhas em 3D que Hollywood anda investindo. A sinopse é o título: um homem acorda dentro de um caixão, amordaçado, com um isqueiro. Ele encontra um celular, todo em árabe; que se torna sua única salvação e conexão com o mundo.

E caralho, o mundo é sádico. Todos os diálogos são bem escritos e terrivelmente frios. Há um certo humor, típico de pesadelos e ao mesmo tempo verossimilhante. Quer dizer, você não vai querer sua vida dependendo de atendentes de telefone, cara, não mesmo. Se você acha que é torturador ouvir aquela conversa padrão, “senhor disque 1 para isso disque dois para isso, informe o não sei o que, boa tarde como posso ajudar?”; imagine ouvir isso dentro de um caixão.

Os movimentos de câmera castigam ainda mais você e o personagem. É o melhor da narrativa clássica, explorando cada canto do cenário. Gostei particularmente de pequenos zooms rápido em momentos de ansiedade e diálogos de pergunta e resposta rápidos. Há uma espécie de panorâmica incrível em que a câmera dá um giro de 180, partindo do rosto desesperado do protagonista, filmando o tampo do caixão e terminando nas suas pernas.

Confesso: o fato de Ryan Reinolds estar no elenco me desanimou na primeira vez q ouvi falar de Enterrado Vivo, mas, putz! retiro as minhas palavras. Fez um bom trabalho o cabra. Podia manter essa qualidade, apesar de tudo indicar a volta de Ryan aos enlatados de sempre. E ótima atuação também daqueles de que só se escuta, mas não se vê: as vozes do filme, o elenco além da tela. Conseguiram realmente passar personalidade e falta de personalidade apenas ablando, just talking, no tom.

Acima de tudo, Enterrado Vivo é uma forma menos óbvia de criticar a política do Tio Sam. (alô Cameron e ex-mulher) Só um não-norteamericano pra fazer uma produção norteamericana de qualidade. Viva aos espanhóis!
 

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011