quinta-feira, 18 de junho de 2015

Utopia ou distopia?



Algumas semanas atrás o diretor Brad Bird (Os Incríveis) desabafou sua insatisfação com o culto ao pessimismo. Ele criticou o cinema e a mídia de alimentar a visão de um futuro apocalíptico. De dar uma desculpa para o público não agir. As pessoas pensam, “Foda-se, já que o futuro é uma merda mesmo, não vou fazer mais nada”. É preciso, defendeu Bird, inspirar a sociedade novamente a acreditar num futuro melhor. Daí ele fez o filme Tomorrowland.

O futuro de Brad Bird e Disney.

Agora, eu concordo com Bird. A gente precisa inspirar mesmo as pessoas. Nem tudo está uma merda, e a gente fica tão afundado nos problemas da modernidade que esquecemos o que alcançamos (combate à escravidão, liberdade sexual, novas formas de produção de energia), e aquilo que procuramos preservar. A questão é: existe alguma ficção utópica que realmente deu certo, ou sequer existe uma?

Eu quebrei a cabeça para pensar em alguma obra nessa linha, mas geralmente os grandes clássicos são distópicos: 1984, Planeta dos Macacos (uma utopia para os macacos, talvez?), A máquina do tempo, Blade Runner. O que costuma acontecer é uma utopia que se revela distópica ou um futuro neutro, onde há grandes avanços mas ainda há problemas a serem enfrentados. No Fim da infância, de Arthur C. Clarke, a humanidade chega a uma utopia e ao mesmo tempo ao seu fim, então fica num zero a zero.

A aldeia dos macacos em Planeta dos Macacos: O confronto.

A grande dificuldade de uma utopia realmente emplacar na ficção é que em um lugar perfeito, sem conflitos, sem questionamentos, não há histórias. Histórias se alimentam justamente de conflitos, da insatisfação dos personagens, de dilemas morais e éticos. Se tudo está ótimo, a sensação do espectador é que o personagem está reclamando sem razão, ou de que nada está acontecendo. É chato.

E Brad Bird, como bom e experiente contador de histórias, tem noção disso. Ele cria um “porém” na utopia de Tomorrowland. O problema é que ele dedicou muito pouco tempo do roteiro a esse conflito, ao vilão, e menos tempo ainda à resolução. A sensação é de que nada foi resolvido e que não se trata, afinal, de uma utopia. Está mais para uma distopia bem-intencionada.

Seria o fim de Interestelar uma utopia?

Eu realmente não me considero um otimista. Mas acredito em utopias. Desde que você saiba que elas podem ser inalcançáveis, está ótimo. As utopias são ideias, são um norte. Algo que nos move. O erro está em acreditar num paraíso decisivo, imutável, eterno e religioso. Ainda que atinjamos a utopia, ela vai ser apenas um momento. Pois a vida se trata de momentos.

Nós estamos sempre tentando alcançar esse ponto de equilíbrio, essa alegria que faz tudo parecer bom e no lugar certo. Mas ela, a alegria, sempre se vai, e recomeçamos de novo. Essa busca incansável pode parecer algo ruim enquanto estamos nela. Mas o momento, aquele momento, ele sempre faz valer a pena

Utopias podem existir, mas não para sempre. Logo vão ser substituídas por novas utopias até o fim da nossa espécie.