Uma coisa que me chamou atenção enquanto assistia Stranger
Things é que volta e meia alguém chegava para a Nancy e mandava algo assim,
“Essa não é você”. A melhor amiga dela fala isso e também o irmão do desaparecido
Will, e se não me engano a mãe dela. E tudo isso porque a Nancy, a menina
certinha, resolveu ir às festas com o playboy da escola e beber cerveja. Pô,
gente, deixa a garota ué.
DR das amigas. Só faltou o "Você tá com inveja!" |
Isso ficou na minha cabeça e mais para frente, quando Nancy
desabafa o seu incômodo com a felicidade de aparência da sua família, eu percebo o quanto a história dela representa a série.
À primeira vista Nancy é uma adolescente que tem a vida perfeita, com sua bela casa de subúrbio, irmãozinhos, pais decentes, boas roupas, boas notas e uma aparência que chama atenção dos meninos de Hawkings. Mas essa vida possui uma dimensão paralela semelhante ao Mundo Invertido.
Sua família não é feliz nem infeliz, é apática; eles visivelmente não conseguem se conectar. A mãe chega a arrombar a porta do quarto da filha. A irmã caçula está sempre assustada. O irmão passa o dia no porão e esconde uma menina por quase uma semana. E o pai? Ted Wheeler é o típico homem que só perceberia que a mulher o largou quando o jantar atrasasse. O cara é alheio a tudo e a voz dele é naturalmente queixosa.
Sério, é a garotinha mais triste e assustada da TV! |
Mas Nancy tem boas notas e um futuro garantido, certo? Não
necessariamente, afinal ela é de uma cidade pequena cujo melhor emprego é fazer
experiências em crianças. Ela vai ter que ir para cidade grande e competir por
emprego com vários outros jovens de cidadezinha iguais a ela. E vale lembrar
que se trata de uma mulher num mundo machista, e dos anos 80! Em nenhum momento
na série sua inteligência é vista como algo positivo.
É fácil entender por que Nancy está cansada de ser perfeitinha e começa a fazer bobagens. A vida toda ela viveu uma fantasia e então viu o Mundo Invertido da própria família. Agora ela busca uma saída dessa ilusão, uma vida mais autêntica.
E existem vários pequenos detalhes que reforçam esse conflito entre fantasia e realidade que Nancy vive. No primeiro episódio, em sua primeira aparição, ela dá um fora no Dustin Dentes de Bebê (como ela pôde?!) e o menino frustrado reclama dela para o irmão, Mike, dizendo que ela não é mais legal (“She got a stick on her butt”, diz o poeta). Mike, como um típico irmão mais novo, responde que ela nunca foi legal. É quando Dustin diz: “Ela era legal. Lembra quando ela se vestiu de elfa na campanha da árvore?”
Os garotos fofocando sobre Nancy |
Depois, quando os meninos precisam transformar Eleven numa
garota mais comum para infiltrá-la na escola, eles recorrem às roupas antigas
de Nancy. Curiosamente, há uma peruca loira no meio das coisas, muito provável
de uma outra fantasia (ou fazia parte da roupa de elfa). O disfarce de menina
comum de Eleven é bem caricato, quase me fez chorar por estragarem o estilo da
Elle. Parecia algo que uma criança vestiria num seriado infantil dos anos 90,
tipo Barney o dinossauro. E é interessante que sejam roupas da Nancy. Talvez
para Nancy também servissem como disfarces de uma menina comum.
Eleven em seu Dia de Princesa |
Então Barb de certa forma está certa ao confrontar a amiga.
Aquela não era Nancy, mas Nancy nunca pôde ser ela mesma. Nancy é uma garota
procurando uma passagem para sair de seu Mundo Invertido pessoal em que está presa. É significativo que ela seja uma das primeiras personagens a visitar o Mundo
Invertido de fato. E justamente através de um portal em uma árvore, como uma
típica elfa da floresta faria. Ela começa a enxergar uma realidade muito maior,
uma nova possibilidade de existência, tomar café de noite e uísque de manhã, essas coisas
O Mundo Invertido |
Nancy tem tudo a ver com a temática da série e é uma
personagem que pode crescer muito numa possível 2º temporada. É claro que produções
populares acabam frustrando ao não correrem riscos. Então não me surpreenderia
se continuassem focando mais nos namoricos mesmo.
Meu escritorzinho <3
ResponderExcluirAdorei a crítica, tua visão da Nancy fez todo sentido pra mim!
ResponderExcluir